Portrait of Benedictus de Spinoza, c. 1665
Anônimo
óleo sobre tela
Biblioteca Herzog August, Wolfenbüttel
Biografias de intelectuais famosos, pensadores, podem facilmente se tornar narrativas que se perdem nas explicações teóricas sobre as contribuições dos retratados. Essas podem desinteressar o leitor comum, nem sempre motivado para aulas teóricas na leitura de entretenimento. Ou, na tentativa de agradar a maior público esses livros podem pecar também ao passarem por cima de teoria representativa da contribuição dos biografados no intuito do texto ser melhor digerido pelo público não especializado. Esse não é o caso de O segredo de Espinosa, de José Rodrigues dos Santos [Planeta: 2023]. Esse é um livro muito bem escrito, cobrindo a vida do filósofo Baruch Espinosa, nascido na Holanda, judeu marrano de origem portuguesa. que trata por meio de diálogos, uma boa parte dos posicionamentos de Espinoza, fazendo-os acessíveis ao leitor sem entediá-lo.
Essas ponderações são ainda mais pertinentes quando se trata de uma obra que traz ao leitor o papel da religião no dia a dia, assim como na vida do Estado. Espinosa foi um dos grandes defensores da separação entre Igreja e Estado. Levando a racionalidade de Descartes a nível não imaginado anteriormente. Considerado o filósofo que abre a era da modernidade nos estudos filosóficos, ele está hoje entre os filósofos mais influentes do mundo atual. Toda essa importância poderia tornar O segredo de Espinosa difícil de ler, difícil de interpretar, mas José Rodrigues dos Santos fez um excelente trabalho cobrindo desde a infância de Espinosa até seus últimos dias.
Além de ser fiel aos argumentos de Baruch Espinosa, José Rodrigues dos Santos presenteia o leitor com deliciosas vinhetas da vida na Holanda do século XVII, historicamente confirmadas, assim como eloquentes cenas da política local, da população em revolta. Não se recusa tampouco a delinear com precisão as questões religiosas e culturais complexas da época.
“Ao longo da Breestraat viam-se as lojas e os armazéns a exibirem os produtos mais variados; muitos provenientes de empresas neerlandesas como a Companhia das Índias Orientais e a Companhia das Índias Ocidentais, outros de empresas portuguesas como a Carreira das Índias e a Companhia Geral do Comércio do Brasil, outros ainda de navios oriundos de Veneza, de Antuérpia, de Hamburgo ou de outros pontos, incluindo saques efetuados por corsários marroquinos. As prateleiras enchiam-se assim de porcelanas de Cantão e de Nuremberg, tapetes de Esmirna, tulipas de Constantinopla, sedas de Bombaim e de Lyon, pimenta das Molucas, sal de Setúbal, linho branco de Haarlem, lã de Málaga, faiança de Delft, sumagre do Porto, açúcar do Recife, madeira de Bjørgvin, tabaco de Curaçau, marfim de Mina, azeite de Faro. Havia ali de tudo e de toda a parte, como se o bairro português de Amsterdã fosse o bazar dos bazares, o mercado do mundo.“
José Rodrigues dos Santos
Esse é um romance histórico, uma biografia cuidadosamente construída, que explora a maneira como Espinosa desenvolveu levou adiante as ideias de Descartes. A obra afirma a retidão de seu caráter, expõe a maneira como as publicações se espalhavam no século XVII, e trabalha a narrativa de tal forma que o leitor não deseja parar de ler. Foi um presente conhecer esse autor português. Irei procurar outras de suas obras. Recomendo sem qualquer restrição, foi para minha lista de favoritos.
NOTA: este blog não está associado a qualquer editora ou livraria, não recebe livros nem incentivos para a promoção de livros.








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